25/02/2021

6. Fazenda Cataguá: antes de existir [1/3]

Um assunto fundamental nas referências da família Araújo Ramos (agora pelo lado materno, dos ascendentes de D. Nylza) é a história da Fazenda Cataguá, em Bemposta, município de Três Rios.

Esta é a foto mais antiga da Fazenda Cataguá no acervo da família. 
Reprodução feita em torno do ano 2000, seguida de paciente trabalho de retoque. 
A fotografia original, impressa e emoldurada, estava na parede da casa de Tia Batuta,
 em Areal, e foi perdida na enchente de 2011.


Ela e seus irmãos nasceram nesta fazenda em que viviam os irmãos Araújo, que chegaram do Ceará no final do século XIX, e onde os seus pais, Miguel e Hermínia, foram moraram a partir do casamento, em 1912. 

Pesquisando apenas na Internet, surgem informações mais antigas sobre a Fazenda Cataguá, uma das bases da história dos Araújo Ramos.

Até o início do século XIX, a presença dos colonizadores de origem portuguesa no vale do Paraíba do Sul não era completa. A ocupação do vale começou na parte paulista, com bandeirantes capturando e escravizando indígenas. No correr do século XVII foram abertos caminhos para chegar às áreas de produção de ouro, as “minas gerais”.

Nessa época, viajar do Rio a Minas significava navegar até Paraty, sujeito a ataques de piratas, subir a Serra do Mar na direção de Cunha e encontrar, em Guaratinguetá, o caminho que vinha de São Paulo.

Mapa das estradas Rio-Minas durante a Colônia
(com minhas correções e acréscimos)
Fonte: Instituto Estrada Real.
Por volta de 1700, a construção do Caminho Novo reduziu bastante a viagem, de quase três para menos de um mês... O viajante saía em barco a vela do Cais dos Mineiros, no Rio de Janeiro, navegava até os fundos da Baía da Guanabara, entrava pelo rio Iguaçu e seguia por seu afluente, o rio Pilar. Do porto de Pilar, o viajante seguia para Xerém, de onde subia a serra de Tinguá. Daí, passava pelas atuais Paty do Alferes, Avelar e Werneck, para cruzar o Rio Paraíba do Sul em um vau há muito conhecido, local que deu origem à cidade de mesmo nome.

Vau (ou passo) é um trecho de um rio, lago ou mar com profundidade suficientemente rasa para poder passar a pé, a cavalo ou com um veículo.

A situação melhora por volta de 1720, com a criação de um trecho alternativo, o chamado Caminho do Proença. Mantida a viagem de barco até o fundo da Baía da Guanabara, o viajante entrava pelo rio Estrela (no atual município de Magé). Do porto da Vila da Estrela, seguia por terra até Inhomirim, aos pés da Serra da Estrela, que subia até a fazenda Itamarati (no atual bairro da cidade de Petrópolis), sede da sesmaria do construtor do caminho, Bernardo Soares Proença. Descendo pelo vale do Rio Piabanha até Pedro do Rio, desviava em direção à fazenda do Secretário, cruzava o vale do Rio do Fagundes e seguia pelas partes altas, via Sebolas (atual Inconfidência), para descer até o vau do Paraíba do Sul.

Entre as motivações para a construção do Caminho do Proença estava a dificuldade de cruzar a Serra do Mar pelo Caminho Novo: "[como foi construída do interior para o litoral] a subida da serra de Xerém até Paty do Alferes era de difícil acesso, fazendo com que cargas fossem perdidas, mulas caíssem em despenhadeiros e homens se ferissem. Além disto era comum os ataques indígenas e de bandidos. Até o início do século XIX, a região era percorrida por várias tribos de índios nômades conhecidas genericamente como coroados." ([do item “Caminho Novo”, da Wikipedia]

A parte do Caminho do Proença ao fundo da Baía da Guanabara serviu também como rota para a construção da E. F. Mauá, primeira ferrovia brasileira, iniciativa do Barão de Mauá. Inaugurada em 30 de abril de 1854, com a presença do Imperador D.Pedro II, com apenas 14,5 km, começava não mais no porto da Estrela, mas no porto de Mauá, em Guia de Pacobaíba, a Fragoso (no município de Magé). Foi depois estendida até a Raiz da Serra, de onde os passageiros seguiam em carruagens para Petrópolis. A travessia da serra por ferrovia só se deu em 1883, por outra companhia, a E. F. Príncipe do Grão-Pará. Durante todo esse tempo, a viagem se iniciava no Cais dos Mineiros, no Centro do Rio, por barcos a vela e, a partir da ferrovia, por barcos a vapor.

Detalhe: o Cais dos Mineiros (na área da atual Casa França-Brasil) foi construído por Antônio Braz de Pina, que daria nome a um bairro do ramal da E. F. Leopoldina, um local onde a família Araújo Ramos morou nos anos 1950/60. Durante o século XVIII, o Visconde de Braz de Pina era dono do cais no Centro do Rio, das terras do atual subúrbio carioca, onde instalou um engenho de açúcar, e ainda de lugares em Búzios-RJ, onde instalou “armações” para a pesca de baleias e processamento industrial do óleo de baleia, utilizado na iluminação pública da cidade do Rio.

Índios Cataguases
Fonte: #
marcelwebster, Pinterest.
Para controlar melhor toda a riqueza trazida das Minas Gerais, o governo português transferiu a capital da Colônia, em 1763, de Salvador para o Rio de Janeiro, aumentando a importância das estradas. Mas, até o início do século XIX, grande parte da região a leste do rio Piabanha ainda não era ocupada pelos "colonizadores": a Fazenda Cataguá não estava no mapa...

 “Segundo o sargento-mor Manoel Vieyra Leão, a capitania do Rio de Janeiro em 1767 abrigava uma extensa área ainda não explorada pela marcha colonizadora. A área ignota, indicada como ‘Certão ocupado por índios brabos’ correspondia à confluência do Rio Paraíba com o rio Piabanha, em direção leste, ocupando vasta área ao norte das serras fluminenses” [também sob “domínio” dos índios Puris, outra das tribos da região].

A identificação dos índios é muito duvidosa (até porque feita pelos colonizadores, que os exterminaram), mas há documentos do século XVII que afirmam que os índios da tribo Cataguá, os Cataguases (e daí os nomes da fazenda e da cidade mineira), ocupavam as terras desde o vale do Paraíba do Sul até a região central da atual Minas Gerais. Não é difícil imaginar que onde foi instalada a sede da fazenda, local protegido por um arco de morros, tenha existido antes uma aldeia cataguá, uma possível explicação para a escolha do nome. 

A palavra “cataguá” é de origem indígena, sendo “catu-auá” a forma original do termo. A tradução mais aceita é “gente boa”. Para os Cataguases, os paulistas eram "gente ruim", os "poxi-auás". [do item “Cataguá”, da Wikipedia]




Expansão do cultivo do café no Rio de Janeiro, a partir do final do século XVIII.
A região muda muito no início do século XIX, quando chega o café, que, após a queda da extração de ouro, atrai os mineiros. A expansão do café no vale do Paraíba do Sul (veja o vídeo no link) começa pela região em torno de Vassouras e leva alguns anos para chegar à área da futura Fazenda Cataguá.

A região à margem direita do Rio Piabanha começa a ser ocupada por um movimento que vem da fazenda Mato Grosso, na localidade de Sebollas (hoje Inconfidência, distrito de Paraíba do Sul), a partir de 1805, quando o capitão José Antônio Barbosa Teixeira, o Tira Morros, se casa com a viúva Mariana Jacinta de Macedo.

O sugestivo apelido de Tira Morros se deve ao fato de ter aberto várias estradas na região dos três rios (Paraíba do Sul, Piabanha e Paraibuna). Ao unir suas terras às da esposa, Tira Morros assumiu toda a área situada à margem direita do rio Preto, desde São José da Serra (hoje São José do Vale do Rio Preto) até o encontro com o Piabanha (atual Areal), e, seguindo pelo rio Paraíba do Sul, até o marco da vila de Anta, em Sapucaia. 





O dito "Caminho do Mar de Espanha" ligava o antigo arraial do Cágado - atualmente Mar de Espanha, MG - ao arraial de Sebolas. Foi uma rota auxiliar do "Caminho Novo", oficializada ainda no século XVIII pela Coroa. Teria sido uma antiga trilha de contrabando de ouro, que vinha de Minas, atravessava o Paraíba do Sul e seguia através do "sertão desconhecido", na direção de Magé. O Capitão Tira Morros teria ligado esta via a Sebolas, a partir de Anta. isto explicaria o início da exploração, nessa época, da área de Bemposta, com o estabelecimento dos "Portões", onde se cobrava pedágio pelo proprietário. Então, na primeira década do séc. XIX, é construída a fazenda Bemposta, por José Antônio Barbosa - capitão Tira Morros - e a esposa Mariana Jacinta de Macedo, que enviuvara do capitão Antônio Barroso Pereira, o verdadeiro requerente daquelas sesmarias. 

 (*) Informações do blog O Vale do Rio Calçado, de Pedro Vianna Born.

O Rio Calçado, o Caminho de Mar de Espanha e os lugares ligados à família
No coração desta área, o Tira Morros criaria, ainda em 1805, a Fazenda Bemposta (a vila é posterior, de 1855). Mais para leste, no vale do Rio Calçado, afluente do Paraíba do Sul, é construída, em 1813, outra grande fazenda, a de Sant'Anna, obra do casal Damaso José de Carvalho e Magdalena Maria Barroso Pereira, filha do primeiro casamento de Maria Jacinta.

Em 1837, após vender a Fazenda Massambará, em Vassouras, Antônio Luiz dos Santos Werneck compra, dos herdeiros de Maria Jacinta e do Tira Morros, grande parte das terras da Fazenda Bemposta, à qual acrescenta parte da área da Fazenda Sant'Anna, que  compra da viúva Magdalena Maria. 

Evolui assim um grande projeto familiar de cultivo de café, que se dá, desta vez, pelo desmembramento da área em várias fazendas, cedidas aos seus 10 filhos

Entre elas, como se verá, a Fazenda Cataguá. (*)

(*) Ref.: "Capítulos da História de Paraíba do Sul", de Pedro Gomes da Silva (escrito nos anos 1970, publicado post-mortem em 1981).


[Na sequência, 7. Fazenda Cataguá: no auge do ciclo do café [2/3]]

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