16/03/2021

7. Fazenda Cataguá: no auge do ciclo do café [2/3]

Na primeira metade do século XIX, os Werneck chegaram à região da futura Fazenda Cataguá. Quem eram e de onde vinham? Se não são nossos parentes diretos, que importância tiveram para os Araújo Ramos?

A família Werneck vem de longe... Tem suas origens no casamento do alemão Kaspar Werneck com Maria Ruiz de Magalhães, filha de portuguesa e espanhol, em 1639, em Antuérpia, Bélgica. Com o fim da União Ibérica (1580-1640), o casal foi morar em Viana do Castelo, Portugal. No final do século XVI, um dos seus descendente, João Berneque (ou Johann Barneck, ou João Vernek), emigrou de Portugal para o Rio de Janeiro. Já em 1711, devido à invasão do Rio pela esquadra francesa, foi residir em Pilar do Iguaçu, porto inicial do Caminho Novo para as Minas Gerais.

Dali, parte da família se dirigiu a Minas, fazendo presença na Borda do Campo (Barbacena) e na Zona da Mata (Leopoldina e Muriaé). Destaque para Ignacio de Souza Verneck, que recebeu do vice-rei, no final do século XIX, sesmarias na área de Ouro Preto pelos serviços prestados ao governo da Colônia. Findo o ciclo do ouro, voltou para o Médio Paraíba do Sul e, com mais de 70 anos, viúvo, foi consagrado padre entre filhos, netos e bisnetos. Ele e os descendentes criaram, no início do século XIX, as primeiras fazendas de café da região (Paty, Valença e Vassouras). A partir daí, a grafia Werneck, do original alemão, se consolida entre as centenas de parentes. 

Seu neto Antônio Luiz dos Santos Werneck, ao enviuvar, vende a fazenda de Massambará, em Vassouras, e se transfere para a região a leste do Piabanha e sul do Paraíba do Sul. Investe na produção de café, comprando, em 1837, do Tira Morros, grande parte da Fazenda Bemposta. Compra ainda uma parte da Fazenda Sant’Anna, no vale do Calçado, e passa a controlar um espaço que ia dos Portões (na direção de Areal) a Anta (na direção de Sapucaia).

Para expandir as plantações de café, este Werneck cria uma sucessão de fazendas na área e as distribui, em 1848, pouco antes de morrer, aos dez filhos. Uma delas é a Fazenda Cataguá, que passa ao filho caçula, Fernando Luiz dos Santos Werneck, casado com a prima Galdina do Carmo Werneck, vinda de Vassouras.

De Bemposta à Fazenda Cataguá: mapa atual (fonte: Portal de Mapas IBGE)
“Ainda em vida, o tenente Antônio Luiz dos Santos Werneck dividiu sua grande fazenda de acordo com seus dez filhos, para evitar que, por sua morte, surgissem demandas entre os irmãos, o que de fato se deu [vide mapa]. O filho José Francisco herdou a Fazenda Castelo; Inácio Barbosa dos Santos Werneck, agraciado em 1867 com o título de barão de Bemposta, ficou com a fazenda pioneira, a Fazenda Boa Vista; Isabel Leopoldina, com a Fazenda Santarém [construída em 1851]; Luiza Maria, com a Fazenda Recreio; João Vieira das Chagas, com a Fazenda Santa Rosa; Leopoldina, com a Fazenda Olaria; Carolina, com a Fazenda Paciência; Geraldina, com a Fazenda Retiro; Josefina, com a Fazenda Santa Juliana, e, finalmente, Fernando Luiz, com a Fazenda Cataguá [construída na década de 1850]”. (Fonte: "Capítulos da História de Paraíba do Sul", de Pedro Gomes da Silva, escrito nos anos 1970 e editado em Paraíba do Sul em 1981.)

Nesta época, a demanda por café explodia no mercado internacional. Dispor de muita terra era o primeiro fator de produção. No Brasil Colônia, as tribos indígenas, ocupantes originais, iam sendo dizimadas enquanto as terras eram distribuídas, em grandes capitanias hereditárias ou em sesmarias, aos amigos do Rei e amigos dos seus amigos. A própria família do capitão Tira Morros tinha boas relações com a família de D. João VI desde antes da fuga da Corte de Portugal para o Brasil, em 1808.

Outro fator fundamental era a mão-de-obra. Em termos de lucratividade, a escravidão dos índios foi logo superada, apesar dos custos iniciais do investimento, pela dos negros trazidos da África, garantindo aos fazendeiros altos lucros. 

A implantação do cultivo do café na região resultou na formação da vila de Bemposta, formalizada, em 1855, como “freguesia de N. S. da Conceição de Bemposta”.

“Numa estatística feita em 1867 pelo subdelegado local, capitão José Francisco de Sousa Werneck, a população constava de 5.255 almas, sendo livres 2.700 e cativas 2.555. (...) O arraial era rico e movimentadíssimo, com inúmeras casas de negócio, hotel, bilhares, padaria, açougue, alfaiate, sapateiro e casa bancária pertencente aos irmãos Miranda Jordão.” (Fonte: Idem, pg 106.) Pelo Censo de 2010, o distrito registrava uma população de 3.759 habitantes.

E havia ainda a possibilidade de terceirização das atividades, através da contratação de meeiros ou agregados, os chamados “colonos”.

O meeiro ocupa-se de todo o trabalho, e reparte com o dono da terra o resultado da produção. O dono da terra fornece o terreno, a casa e, às vezes, um pequeno lote para o cultivo particular do agricultor e de sua família. Fornece, ainda, equipamento agrícola e animais para ajudar no trabalho. Meeiro é sinônimo de agregado. 

O próprio José Francisco dos Santos Werneck, que assumiu a Fazenda Bemposta, utilizou este sistema de exploração econômica.

No final de 1857, publica no jornal O Parahyba um edital convocando interessados em assumir contratos de “aforamento perpétuo” com a sua “Empreza Werneck”, uma forma de aumentar ganhos na produção de café na região sem fazer outros investimentos diretos.

Pouco depois, já se viam anúncios no mesmo jornal cobrando dos foreiros edificações e cultivos, além de pagamentos. Este sistema não era mesmo tão vantajoso quanto o da escravidão: apesar dos custos, a exploração do trabalho escravo continuava sendo muito mais vantajosa, tanto que foi mantida até muito depois da extinção oficial do tráfico.

Nas três décadas seguintes, a Fazenda Cataguá alcançou seu apogeu (aliás, todo o vale do Paraíba do Sul). A família Werneck buscou registrar este sucesso da maneira mais nobre da época, a pintura. O veterano pintor alemão, Johann Georg Grimm, que já retratara uma fazenda da região em 1879, foi convidado a retornar e realizou, em 1886, diversos trabalhos para a família Werneck.

Uma das suas melhores pinturas é o grande panorama da Fazenda Cataguá.

"Mais uma vez voltou a Bemposta, mas agora [Grimm] demorou-se por cerca de dois meses [em 1886] e realizou sua inquestionável obra-prima no gênero, a Fazenda Cataguá, em grande formato (...). Terminou e datou a tela de Cataguá em 8 de dezembro." (Fonte: “Johann Georg Grimm e as fazendas de café”, Carlos Roberto Maciel Levy)

"A tela de Cataguá é um bom exemplo de uma implantação da unidade de produção de café no Vale do Paraíba. O sítio ocorre em uma chapada localizada em um vale cercado de morros, ora cobertos de florestas, ora com cafezais e pastos." (Fonte: “A paisagem da fazenda cafeeira através da iconografia no século XIX”, Adriano Novaes. Instituto Cidade Vida, 2009)

Elementos reconhecíveis no “retrato” da Fazenda Cataguá: 1. A sede, semi-encoberta por palmeiras imperiais, ao centro; 2. À frente, junto ao riacho, na pequena construção, o moinho de fubá e/ou de cana, movido a água caindo sobre roda de pás (monjolo); 3. À direita da sede, o pátio principal de secagem de café; 4. À esquerda, outro pátio de secagem; 5. Em torno deste pátio, a senzala, formando um cerco, fechado a cada noite, para controle da escravaria; 6. Construções para atividades complementares da fazenda (por entre elas, a estrada em direção a Bemposta); 7. Ao fundo, em diagonal ascendente, a estrada no sentido do Córrego Sujo, subindo a serra da fazenda Cataguá; 8. Morros desmatados e abandonados após o desgaste da terra pelo cultivo do café; 9. À esquerda, o limite da área preparada para o plantio e a continuação dos morros com a cobertura florestal ainda preservada.

 A pintura representa a fazenda em pleno funcionamento, mas já na decadência, que os problemas se acumulavam: o mercado externo não era mais o mesmo, surgiam países concorrentes, as cotações dos preços despencavam...

Outro grande problema era de ordem local: a erosão. O desgaste acelerado das terras começava pelo método de desmatamento, um verdadeiro arraso...

“Esse penoso serviço nunca era feito pelos escravos, mas pelos caboclos, geralmente mineiros (...). Faziam incisões a machado no tronco das árvores maiores, à medida que iam subindo o morro. Lá em cima, era derrubado o "matador", árvore mais alta, previamente escolhida, que, na sua queda, ia pôr abaixo todas as demais.” (Fonte: “A fazenda de café escravocrata no Brasil”, de Orlando Valverde, in Revista Brasileira de Geografia 29, 1967)

Mas, a principal causa da erosão estava na própria maneira de fazer o plantio dos cafezais: os pés de café eram dispostos em fileiras paralelas, em vez de curvas de nível.

Além do mais, nesta época as fugas de escravos eram cada vez mais frequentes. Dois anos depois desta pintura, em 1888, o país aprovou a Abolição da Escravatura, encerrando de vez o sistema, que aliás utilizava o próprio escravo como investimento...

Os escravos representavam o máximo valor dos bens dos fazendeiros, cerca de 70%. Portanto, cabia ao mesmo se preocupar com a saúde de seus cativos, evitando, por exemplo, moléstias que poderiam levá-los ao óbito. (Fonte: Adriano Novaes, idem.)

Até 1850, o tráfico negreiro era praticamente legal, as leis que o proibiam eram "para inglês ver". A partir daí, tornou-se contrabando, devido à pressão inglesa por abrir mais mercados para seus produtos. Os principais caminhos do contrabando humano na região partiam da baía da Ilha Grande, portos de Bracuí e Marambaia, de onde eram levados ao vale do Paraíba do Sul. Na última fase, os “barões do café” passaram a importar escravos do Nordeste, provocando resistências locais. Na década de 1880, mais de 50% dos cativos de todo o Brasil trabalhavam para os fazendeiros do vale do Paraíba do Sul.

Quanto aos Werneck no vale do Paraíba do Sul, o que se conclui é que diversos ramos da família viveram, por quase um século, na condição de proprietários de fazendas de café, às custas da mão de obra escravizada, mas também devedores dos traficantes de escravos e dos "comissários de café". Com a decadência da produção do café, em geral, venderam suas terras e passaram a se dedicar a outras atividades, a maioria longe dali. 

Mas, nossos bisavós deixaram as suas histórias por lá...


[Na sequência, 8. Fazenda Cataguá: os Araújo tomam posse [3/3]]

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