22/02/2021

5. Os bisavós Clavery e o sumiço da Fazenda do Sumidouro

Nem foi tão difícil encontrar a relação entre a família dos bisavôs Clavery e a Fazenda do Sumidouro, isto aparece em várias notícias de jornais da região do médio Rio Piabanha na segunda metade do século XIX e começo do XX.

Mais difícil foi descobrir onde ficava a tal Fazenda do Sumidouro... Simplesmente não aparece em nenhum mapa atual, entre os que pesquisei na Internet. O que se vê são novos nomes e novos lugares, consequência da elevação de Itaipava à condição de destaque turístico nacional, fato que mudou consideravelmente a geografia da região.

Pensei, a princípio, que a fazenda estaria num ponto mais interno, a alguma distância do Piabanha, ainda que na região em torno do sumidouro do rio. Um lugar mais reservado, mais protegido, a que se chegasse pela estrada que começa no Sumidouro, talvez perto da Fazenda da Cachoeira (supostamente, que a localização desta é outra dúvida que persiste...). 

Depois percebi que os relatos, no que deixavam de falar da Fazenda do Sumidouro, tinham como referência a estrada União e Indústria, dando atenção aos pontos de troca dos cavalos, as Estações de Muda, as rápidas paradas de uma viagem agitada de um dia inteiro. 

Era justamente o caso, ali perto, da Estação de Pedro do Rio, fotografada pelo francês Revert Henrique Klumb, para publicação na sua pioneira obra Doze Horas em Diligência. Guia do Viajante de Petrópolis a Juiz de Fora, de 1872.

Então, reconsiderei... Voltei a achar que a Fazenda do Sumidouro se localizaria, sim, junto à margem do Piabanha. Até porque era citada, ainda na Colônia, como "pouso de passagem" de viajantes que iam e vinham de Minas não mais pelo Caminho Novo (via Pilar, Xerém, Paty do Alferes e Paraíba do Sul), mas pelo alternativo Caminho do Proença, criado em em 1725 (do Porto da Estrela e pelo Rio Inhomirim, subia-se a Serra da Estrela até Itamarity, hoje bairro de Petrópolis, seguindo pelo vale do Piabanha e pelos altos de Cebolas, hoje Inconfidência, município de Paraíba do Sul). E no correr do século XIX a Fazenda do Sumidouro continuou sendo citada como das principais fazendas da região.

Só que eu não encontrava qualquer referência geográfica... Realmente, o nome, hoje, só se mantém em um restaurante e em um condomínio na União e Indústria, ambos perto daquela entrada, na direção de Itaipava. Podia ser um desses dois locais, não tinha como saber... 
 
Seja como for, no que
Estação de Muda de Pedro do Rio, na Estrada União e Indústria
Xilogravura sobre fotografia de R. H. Klumb, c.1865
 

procurava informações sobre como e quando o primeiro Clavery apareceu na região (aliás, no Brasil, e quanto a isto ainda não consegui nada), a "Fazenda do Sumidouro" era citada, várias vezes, sem indicar a localização, como pertencente ao Bisavô Clavery e à Bisavó Maria Júlia.

Até que outras notícias deram pistas... A começar pela nota publicada na Gazeta de Petrópolis, em 20 de Setembro de 1893, um anúncio de aluguel ou venda da Fazenda do Sumidouro.
 
Indicava que a família se dispunha a mudanças radicais ("ter de retirar-se para a Europa"), o que pode ser, porém, apenas uma justificativa para camuflar dificuldades econômicas, sendo essa uma época em que a região perdia progressivamente a sua dinâmica.
 
A nota não cita o nome do proprietário (fato comum à época, para não o expor), mas cita Antonio de Almeida Lima, o pai de Antonio de Almeida Lima Junior, que nasceu em 1882 e teria se casado (se interpretei bem e se as datas estão corretas), em 1911, com uma das filhas do próprio casal Clavery, a irmã logo acima de Vovó Joaninha, a qual, nascida em 1886, passaria a se chamar, com o casamento, Josephina Julia Clavery Lima. Esta parceria dos futuros sogros, na tentativa de venda ou de aluguel da Fazenda do Sumidouro, serve de ponto de partida para a percepção de que os Clavery e os Lima se tornariam indissociáveis, partindo da amizade para o parentesco, uma relação que continua, pelo que demonstram empresas posteriores, valendo até hoje.
 
E o anúncio dava, finalmente, referências geográficas!... Diz que a sede ("casa de sobrado") da fazenda "tem uma ponte para passar para a União e Indústria", estrada que foi inaugurada em 1861. Muito útil esta informação: localiza a fazenda na margem esquerda do Rio Piabanha!... Cabe lembrar que a Estrada União e Indústria acompanha o Rio Piabanha pela margem direita desde Petrópolis até Areal, quando só então muda de lado, para depois retornar. 
 
Por outro lado (do Rio Piabanha e da sede da Fazenda do Sumidouro), foi construída e passou a funcionar, em 1886, a Estrada de Ferro Príncipe do Grão-Pará (um título exclusivo dos príncipes herdeiros brasileiros, em homenagem à família imperial), ferrovia mais tarde comprada pela E.F. Leopoldina. O anúncio dizia que a sede da fazenda ficava "na estrada de ferro do Gram-Pará", ou seja, próxima à ferrovia. Isto a coloca, necessariamente, entre Itaipava e o Sumidouro, o trecho já citado do sumidouro do rio e do início da estrada regional. É interessante notar que hoje em dia a rodovia BR-040 ocupa este trecho do antigo leito da ferrovia. E aí ficou mais fácil!...

Restava apenas saber o lugar exato... Já sabemos que a família não foi para a Europa, mas não dá para saber com precisão quais transações foram feitas nesta época. Uma questão que só reaparece em 4 de abril de 1901, no Gazeta de Petrópolis, quando a fazenda é listada como umas das propriedades vendidas no mês anterior para justamente o já nosso conhecido Antonio de Almeida Lima (e um seu sócio, em uma sociedade que se desfaria em 1903).
 
A partir daí, o que se tem é a informação de que "Nilo Peçanha adquiriu terras pertencentes a D. Maria Júlia Clavery, viúva de José Clavery" (vide 2. Buscando os bisavôs Clavery), publicada pelo IHP - Instituto Histórico de Petrópolis, que não informa a data.
 

Castelo de Itaipava. À esquerda, sob as árvores, o Rio Piabanha,

e a Estrada União e Indústria – Fonte: Internet
A propriedade, ou pelo menos o prédio da sede da fazenda comprada pelo ex-presidente Nilo Peçanha, foi depois adquirida pelo Barão Jaime Smith de Vasconcellos e substituída, a partir de 1920, por um castelo, o conhecido Castelo de Itaipava.

Conclusão: onde existia a Fazenda do Sumidouro existe hoje o Castelo de Itaipava!

Mas, como seria a fazenda?... As informações na Internet nem sempre são tão acessíveis assim, e para conseguir mais detalhes e mais profundidade só mesmo indo aos livros. 

Mas, ainda faltava pesquisar a ferrovia Príncipe do Grão-Pará, que passava ao lado da sede da fazenda (e que, neste trecho, foi substituída pela rodovia BR-040). Foi então que encontrei, no site Estações Ferroviárias do Brasil, entre Itaipava e Pedro do Rio, uma inesperada "estação Doutor Nilo"!... A estação, certamente gentileza da empresa ao ex-presidente da República, era uma "parada particular, onde o trem parava conforme houvesse passageiros", e tanto que nem "aparece nos guias".

Pois, lá estava a fotografia, publicada pela revista Fon-Fon em 1917, mostrando o trem, a estação e, ao fundo, a "grande casa de sobrado" (como descreve aquele anúncio de venda da fazenda do Sumidouro).

"
Legenda original: "O expresso das 8:40 chegando à parada da fazenda de Nilo Peçanha, a parada 'Doutor Nilo' (Fon-fon, 16/5/1917)."
Tudo indica, então, que esta era a sede da Fazenda do Sumidouro (que havia passado a ser chamada de a "Fazendola de Itaipava" do Dr. Nilo Peçanha), a propriedade dos bisavôs Clavery, onde Vovó Joaninha viveu a sua infância.
 

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